Edmar Alves da Cruz ¹
Marilena Chauí possui graduação em
Filosofia pela Universidade de São Paulo (1965) Com especialização em
Licenciatura pela Universidade de São Paulo (1965), mestrado em Filosofia pela
Universidade de São Paulo (1967) e doutorado em Filosofia pela Universidade de
São Paulo (1971). Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo.
Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em História da Filosofia.
Atuando principalmente nos seguintes temas: Imanência, liberdade, Necessidade,
Servidão, Beatitude e Paixão. ²
Na obra o que é
ideologia, Marilena Chauí procura demonstrar a construção histórica e as
leituras e releituras do conceito de ideologia no transcorrer da história.
O ponto de partida
é a antiguidade clássica e a teoria das quatro causas de Aristóteles. Para Aristóteles todas as coisas estão em movimento,
no sentido de mudança, em seus diversos aspectos: qualitativo, quantitativo,
corrupção, locomoção.
Na idade Média a
teoria aristotélica das quatro causas é reinterpretada surgindo à causa
material, causa formal, causa motriz e causa final. Um aspecto importante desta
teoria tanto na idade média quanto na antiguidade clássica é a hierarquia
estabelecida entre as causas. A mais
importante é a final e a menos importante e a motriz (responsável pela
transformação da matéria). Esta hierarquização,
se levarmos em conta que tanto a sociedade grega quanto a medieval fundavam-se
no trabalho de homens não livres, escravos e servos, respectivamente, demonstra
o aspecto ideológico desta teoria.
Na idade moderna e com o advento do sistema capitalista
a teoria das quatro causas é reduzida a apenas duas: a eficiente ou motriz e a
final. Neste momento histórico, emergem o homem como síntese entre a “máquina” natural
e uma vontade livre que age em função de fins livremente escolhidos. “Neste contexto surgem dois atores de
produção histórica o burguês e o trabalhador assalariado ambos, de acordo com o
pensamento ideológico, livre”.
Para
Chauí, o positivismo de Augusto Conte dá a
ideologia dois significados: atividade filosófica científica
que estuda a formação das ideias a partir da observação das relações entre o
corpo humano e o meio ambiente, tomando como ponto de partida as sensações;
conjunto de ideias de uma época, tanto como “opinião geral” quanto no sentido
de elaboração teórica dos pensadores dessa época.
Assim, para o positivismo o espírito humano possui
três etapas de desenvolvimento: o Fetichista ou teológico, metafísico e científico. Na
ideia de progresso pregada pelo positivismo à sociedade deve ser guiada por
teorias, estas devem submeter à prática a suas leis. Portanto, a política seria
um exercício dos sábios e sua aplicação uma tarefa dos técnicos. Mais uma vez emerge a ideologia.
Para expor o conceito materialista dialético de
ideologia, a autora descreve a “gênese” do pensamento marxista a partir da síntese
da dialética idealista de Hegel. Para
Marx, Hegel revoluciona a história, pois considera que: A cultura é o real e o real
não tem história é a própria história. O
Motor da história é a contradição (negação interna); O conhecimento da realidade exige que diferenciemos
o modo como uma realidade aparece e o modo como é concretamente produzida.
Entre
as ideias hegelianas conservadas por Marx em seu materialismo dialético destaca-se
a de que a realidade é histórica e que
por isso é reflexionante, ou seja, realiza a reflexão. Não obstante, Marx vai além
afirma que a contradição (motor da história) não se dá no plano das ideias,
espiritual, mas entre homens reais em condições históricas determinadas: a luta
de classes.
Outro conceito importante resgatado pelo
pensamento Marxista e importante para o entendimento do conceito de ideologia e
o de alienação entendida como a projeção da essência humana num ser superior,
estranho e separado dos homens, um poder que os domina e governa porque não
reconhecem que foi criado por eles próprios.
Indo além, tem-se o fetichismo onde as coisas existem em si e por sí
(fetichismo mercadológico) e a reificação no qual os seres humanos são transformados
em coisas.
Nas palavras de Chauí, Alienação, fetiche e reificação são elementos que
vivificam a ideologia, pois as atividades humanas começam a se realizar como se
fossem autônomas ou independentes dos homens e passam a dirigir e comandar a
vida dos homens, sem que estes possam controlá-las. São ameaçados e perseguidos
por elas.
Da tríade alienação fetiche e reificação nasce à ideologia propriamente
dita significando o sistema ordenado de ideias ou representações e das normas e
regras como algo separado e independente das condições materiais, visto que
seus produtores – os teóricos, os ideólogos, os intelectuais – não estão
diretamente vinculados à produção material das condições de existência.
Desta forma, a
ideologia é o instrumento ideal de dominação social. No entanto, esta dominação deve ser
dissimulada. Para essa dissimulação é
que aparece a figura do Estado sendo este, no aspecto ideológico de Hegel, a
síntese do interesse geral, porém, Marx o coloca como a forma pela qual os
interesses da parte mais forte e poderosa da sociedade (a classe dos
proprietários) ganham a aparência de interesses de toda a sociedade. Em sua dissimulação
é imprescindível ao Estado o direito, é ele que dará, através das leis, o caráter
de impessoalidade e de anônimilidade ao Estado ideológico.
Outro viés da ideologia levantada
pela autora é o da forma como as ideias da classe dominante se tornam ideias de
toda a sociedade. Neste processo,
embora a sociedade esteja dividida em classe, algo imperceptível para a maioria
dos membros da classe dominada, são consideradas validas, verdadeiras e racionais
apenas as ideias da classe dominante.
Para dar legitimidade a este processo a divisão de classe é negada pela
classe dominante, através de uma igualdade formal que dificilmente se
materializa.
Não obstante, para que as ideias
da classe dominante irradiem em meio à classe dominada é fundamental os mecanismos
de distribuição destas ideias, para isto são usados à religião, educação,
costumes e meios de comunicação disponíveis, sendo este um dos mais eficientes.
Após fundar o conceito de
ideologia perpassando pelos diversos momentos históricos de aplicação e
reconstrução deste conceito no transcorrer da história a obra solidifica em
base materialista os principais fundamentos do fenômeno da ideologia na
contemporaneidade.
Assim, a ideologia tem alicerces na divisão do trabalho (trabalho manual
/intelectual) transparecendo autonomia do trabalho intelectual face ao trabalho
manual. Esta autonomia se converte em
autonomia dos intelectuais pensadores.
As ideias, autonomizadas, produzidas desta separação parecem surtir efeitos,
não somente sobre a classe dominada, mas sobre todos os homens.
A leitura desta obra é de grande importância uma vez que possibilita um
olhar mais crítico, além das aparências e, com isso, a percepção de que a
pensamento ideológico encontra-se impregnado nos mais diversos campos de nossas
vidas nos tornando “alienados” e massa da história, quando somos ou deveríamos ser
sujeitos da história.